Tu, you-you. Um Encontro de Labirintos

Jovem Carpideiro - Foto Paulo Valle
Jovem Carpideiro – Foto Paulo Valle

Toda busca por uma linguagem própria se dá em um labirinto. Jovem encontrou a sua na não-linguagem da poesia biosonora de Djami Sezostre. A partir de uma simbiose de texturas sonoras e paisagens poéticas, “Tu You You” nasce como o trabalho mais Jovem do Jovem. Este trabalho soa como um “primeiro disco” de alguém que é jovem, de alguém que é o Jovem.

A poesia de Djami nasce de um labirinto onírico. É ali que o Jovem “se encontrou”. Talvez alguém já tivesse imaginado esse não-lugar em seus devaneios e não sabia como nomeá-lo, ou não sabia como concebê-lo, ou não conseguia dar forma a ele. O que nasceu desse encontro de labirintos foi um trabalho instigante e singular.

Em “Tu You You” Jovem encontrou um lugar imaginado na poesia de Djami com seus tempos quebrados, sua métrica improvável, sua existência quase impossível. Produzido pelo próprio Danilo Jovem e por Sérgio Duá, este trabalho traz Glauco Mendes na bateria e Gabriel Guedes fazendo guitarras e tampura na faixa “Groove” e teve mixagem e masterização preciosas de Antoine Midani. Eduardo Linke foi o artista responsável pela identidade visual e é o diretor do primeiro videoclipe da faixa que dá título ao álbum e que terá seu lançamento acontecendo concomitantemente.

Neste videoclipe, Jovem nos mostra aquele lugar inventado em imagens que mesclam natureza e pós-modernidade, em um número de dança contemporânea que remete ao pássaro Tuiuiu. “Tu You You” traz dois universos de linguagem que aparecem tanto no texto quanto na música. Um lugar cosmopolita jeans e um pássaro migratório, nem natureza, nem cultura, as línguas se hibridizando nessa cegonha nativa brasileira ou a mescla da segunda pessoa do português (tu) com o inglês (you) leia na minha camisa, baby i love you. O moderno e o arcaico, o português e o inglês: você, precisa aprender inglês, precisa saber do que eu sei. Uma Coca-Cola quarenta graus no inferno e uma canção nos consola. 

Na segunda faixa temos uma despedida: Nos mundos desaparecidos foi possível se perder no êxtase. Como nos disse Bataille, o êxtase é impossível na vulgaridade instruída. Djami se despede da condição de humano se dirigindo a deus para dar seu “Adeus”. Jovem encontrou nessa despedida uma oração às avessas na busca pelo profano e do êxtase perdido no mal estar da civilização.

“Quaresma” traz o Jovem com sua sonoridade mais característica, riffs em uníssono com a melodia passeando pelo texto e aquela prosódia do encaixe. As perguntas dançam no beat e as respostas ficam em um vão que se forma entre o ritmo do texto, da música e as palavras e suas imagens.

“Os Meninos” é uma quase canção em uma fala quase melódica ou uma melodia quase falada. Quase porque o refrão entra em um ataque que o desfaz. Um quase desfeito em ímpetos e quando voltamos ao quase ele já não é mais um quase, mas um almost. Os meninos são oboés e cantam adventícios.

“O Plantio”, assim como aquele ser feito de inocência e crime que Bataille nos descreveu e nomeou de “Acephale”, traz a voz de um ser que também reúne em uma mesma erupção nascimento e morte. Esperar pela noite para então dormir com esta canção de ninar que te acorda para regar o plantio, a morte, essa carpideira. Jovem mescla o soturno e o delicado em timbres precisos que deslocam o texto e se perdem naquele nada que a poesia abre em nossos corações.

“América” é uma faixa primorosa na qual voz e beat se harmonizam com as palavras em uma interpretação tão bem medida como as suas divisões rítmicas e harmônicas, conseguindo trazer a intenção do texto para a música de um modo muito específico. Não, obrigado. É necessário ser educado para dizer meia palavra basta, meia palavra bosta.

“Catequese” traz uma melodia simples que desliza em cima do riff e distribui o texto por meio da repetição. Ou não, todos os que estão de acordo com o que vemos e que venham todos, ou não.  A melodia do riff tem uma solução quase pueril, que se resolve em um movimento de repouso, daqueles típicos do cancioneiro folclórico que chega em todos por vir antes de todos, inteligentes ou não.

“Uivouivouivo” tem uma melodia construída a partir do ritmo do texto, com suas divisões e ambiguidades. As pausas da melodia dão o tom do texto, mas sem entrega-lo, deixando ciência e paciência serem uma coisa só. Vocal metálico que atravessa um dedilhado hipnótico entrecortado por notas espaçadas de mais um daqueles beats bem contemporâneos, desses que se ouve nas músicas dos colegas. 

“Os Covardes” é uma faixa que pede coragem. Sílabas que parecem saídas da boca de um bebê que está aprendendo a pronunciar e sente a língua bater no céu da boca, mas não o da da non sense do dadaísmo, mas sim uma retorno à fala primeva, o balbuciar que existe antes de todas as palavras, a essência do que Djami Sezostre chama de poesia biosonora. Tudo isso com muito delay, pratos e viradas de uma bateria gorda que preenche tudo como as bochechas de um bebê de sorriso imenso, pra tudo terminar com a guitarra do Xexéu em um solo confortavelmente chapado.

Assim termina “Tu You You”, com aquela sensação de quem acabou de ouvir um vinil.

É incrível como esse artista lida com suas referências com o frescor de quem as está descobrindo, com a ousadia de quem tem o desejo da invenção, como quem brinca sem medo de errar. Você está abrindo um caminho e se abrindo para o mundo, Jovem.

Erre outra vez! Erre sempre!

por Francesco Napoli

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